A geração está perdendo espaço para a IA

A geração recém-formada está perdendo espaço para a IA — e a escola não está ajudando

Enquanto a inteligência artificial se consolida como força de transformação nos ambientes profissionais, uma tendência se acentua de forma preocupante: os mais afetados pela automação não são apenas os trabalhadores de funções repetitivas — mas os jovens recém-formados.

Segundo análise publicada no IGN Brasil, a IA está impactando diretamente as posições de entrada no mercado de trabalho. Tarefas iniciais — como organização de dados, atendimento, redação técnica ou suporte básico — estão sendo automatizadas. Essas eram, até pouco tempo, as portas de entrada para quem se formava sem experiência.

Agora, esse degrau desapareceu. O que resta é uma escada cada vez mais alta — e uma juventude despreparada para escalá-la.

O paradoxo da formação: formamos para começar... mas não há mais onde começar

O mercado muda. A IA assume. E os jovens que saem da faculdade — muitas vezes depois de um curso conteudista, técnico e descontextualizado — se veem sem espaço para aplicar o que aprenderam.

O problema não é só tecnológico. É formativo.

A escola e a universidade continuam estruturadas para um mundo de carreiras lineares, estabilidade funcional e ascensão por tempo de serviço. O que o mercado exige agora é:

  • pensamento crítico e interdisciplinar,

  • autonomia criativa,

  • colaboração inteligente com IA,

  • ética na tomada de decisão,

  • adaptação rápida diante da mudança.

Mas o que os jovens recebem na maioria das escolas brasileiras:

  • conteúdo fragmentado,

  • estímulo à memorização,

  • provas com gabarito,

  • ausência de projetos reais,

  • quase nenhuma reflexão sobre tecnologia, cultura ou futuro.

Inteligência artificial não rouba empregos — rouba espaço de quem pensa pouco

Um artigo de opinião na Gazeta do Povo é contundente: a educação não deve apenas ensinar os alunos a usar IA — mas a pensar além dela. Isso inclui:

  • Repertório cultural,

  • Imaginação,

  • Ironia,

  • Curadoria de fontes,

  • Empatia e ética,

  • Argumentação bem construída.

Em outras palavras: formar cabeças bem-feitas, e não apenas bem-cheias. Esse é o diferencial que a IA não consegue replicar. E é também o que o nosso sistema educacional menos estimula.

Estamos diante de uma geração que sabe usar o ChatGPT, mas não sabe elaborar uma pergunta original. Que domina ferramentas, mas não compreende a lógica que as move.

O silêncio da escola diante do colapso da entrada profissional

O que mais assusta é o silêncio.

  • O silêncio das grades curriculares que não mudam.

  • O silêncio dos vestibulares que ainda valorizam a fórmula decorada.

  • O silêncio dos sistemas de ensino que não incorporam IA nem como ferramenta, nem como tema.

Enquanto isso, a entrada no mercado se torna mais estreita. Jovens que antes teriam um emprego inicial como estagiários ou analistas estão sendo preteridos por modelos automatizados que entregam mais em menos tempo e sem salário. Não é justo exigir protagonismo dos jovens se a escola os forma como espectadores do próprio tempo.

Para refletir:

“A IA não vai substituir o humano. Vai substituir o humano mal formado.”

“Se os jovens são os mais afetados pela IA no trabalho, por que são os menos ouvidos no debate educacional?”

“Não há futuro profissional para quem não tem futuro intelectual.”

O que precisamos fazer agora

  1. Reestruturar o currículo escolar para que ele valorize a investigação, a autoria, o diálogo com IA e a resolução criativa de problemas reais;

  2. Formar professores para atuarem como mediadores entre a inteligência humana e a artificial, com foco em ética, linguagem, crítica e projeto;

  3. Introduzir projetos interdisciplinares com uso de IA generativa, para que os estudantes aprendam a pensar com (e contra) a tecnologia;

  4. Conectar escola e mundo do trabalho em estágios, mentorias, startups educativas e projetos de impacto social.

Conclusão

O desemprego entre os recém-formados não é só uma tragédia econômica. É o reflexo de um fracasso educacional.

Uma geração inteira está saindo da escola sem saber o que a IA é, como funciona, o que pode fazer — e o mais importante: o que ela nunca poderá ser.


Formar jovens apenas para seguir instruções é torná-los descartáveis num mundo onde máquinas seguem instruções melhor do que qualquer um.

Formar jovens para criar, questionar, argumentar e imaginar — isso sim é garantir que, mesmo em um mundo dominado por algoritmos, a inteligência verdadeiramente humana continue indispensável.

Marcos Breder, Ph.D.
Educador, pesquisador e mentor de futuros possíveis. Atua há mais de 20 anos com jovens no ensino médio, graduação e pós-graduação, com foco em design, comportamento e inovação educacional na era da inteligência artificial.

https://br.ign.com/tech/141090/news/ia-esta-roubando-emprego-de-um-grupo-bem-especifico-jovens-recem-formados

https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/inteligencia-humana-educacao-ia-escola-formacao/