Estamos Educando para o Passado


O Brasil ficou entre os últimos colocados no ranking internacional de criatividade e pensamento crítico do PISA 2022. Sim, você leu certo. Entre 57 países avaliados, ocupamos a 44ª posição. Apenas 1 em cada 10 estudantes brasileiros conseguiu propor ideias originais ou soluções abstratas para problemas cotidianos. O relatório é recente — publicado em junho de 2024 —, mas o diagnóstico é antigo: estamos educando com os olhos no retrovisor.
Em uma era marcada por inteligência artificial generativa, algoritmos criativos e automação crescente, seguimos insistindo em um modelo educacional que premia a memorização e a resposta única. Seguimos apostando alto no ENEM, que mesmo em sua proposta mais atual, continua distante das habilidades exigidas pela sociedade exponencial que já começou. Como vamos preparar os jovens para um mundo onde as perguntas valem mais do que as respostas?
A crise da criatividade e do pensamento crítico
Cingapura, Coreia do Sul e Canadá lideram o ranking com 41 pontos. O Brasil, com 23, está mais próximo de El Salvador do que de qualquer potência educacional. Essa diferença não é só numérica: é epistemológica. Os países que performam melhor são justamente aqueles que já entenderam que a criatividade pode — e deve — ser ensinada. Eles investem em ambientes exploratórios, cultura do erro, pensamento divergente e metodologias ativas.
Por que, no Brasil, a criatividade ainda é tratada como um talento nato, e não como uma competência treinável?
Por que nosso currículo segue fragmentado, conteudista e disciplinar, enquanto o mundo pede conexão, contexto e colaboração?
O abismo entre o que ensinamos e o que o futuro exige
A inteligência artificial não vai tirar o emprego de ninguém. Mas vai tirar o emprego de quem não souber trabalhar com ela. O problema é que seguimos formando jovens para competir com a IA, e não para amplificar suas capacidades com ela.
A escola brasileira, em larga escala, ainda ensina para o vestibular — e não para a vida. Ainda foca em acertar a alternativa correta — e não em formular boas perguntas. Ainda valoriza quem repete bem — e não quem cria com profundidade. O ENEM prepara para qual tipo de futuro?
O que significa tirar uma nota alta em uma prova de lógica linear em um mundo que exige pensamento adaptativo, emocional e sistêmico?
A urgência de uma virada cultural na educação
Não é apenas uma reforma curricular que precisamos. É uma revolução cultural sobre o que entendemos por “educar”. Criatividade não é um adereço: é uma competência de sobrevivência. Pensamento crítico não é uma habilidade periférica: é o núcleo da cidadania contemporânea.
Na era da IA, o jovem que não souber pensar por si mesmo será manipulado por quem pensa por ele.
Na era da IA, a maior habilidade será saber fazer perguntas que nem as máquinas conseguem responder.
Na era da IA, criatividade e ética não são opcionais — são escudos contra a obsolescência.
Um chamado aos pais e educadores
Mais do que nunca, precisamos de escolas que despertem. Que instiguem. Que desafiem o pensamento raso. Que substituam provas múltipla-escolha por projetos de múltipla-escuta. Que ensinem os jovens a navegar num mar de informações com bússolas internas, e não apenas com mapas prontos.
Formar uma geração capaz de amplificar suas capacidades com a IA exige educadores também amplificados: curiosos, críticos, abertos ao novo, dispostos a abandonar velhos dogmas e a (re)aprender.
Estamos atrasados — mas não condenados (ainda).
Marcos Breder, Ph.D
Pesquisador em design, inovação comportamento e educação na era da inteligência artificial. Professor com mais de 20 anos de experiência com jovens no ensino médio, superior e pós-graduação.