Estamos perdendo o que a IA não tem

Estamos perdendo o que a IA ainda não tem: profundidade

Vivemos um tempo em que as máquinas desafiam os humanos nas provas mais difíceis — e vencem. Modelos de inteligência artificial generativa, como o GPT-4, Gemini ou Claude, já superam a maioria dos humanos em exames de direito, engenharia, medicina e lógica. O O Globo noticiou em janeiro de 2025 que já se fala no “último teste da humanidade” — porque a própria noção de QI se tornou insuficiente para medir o que a IA é capaz de fazer.

Mas enquanto isso, estudos sobre as gerações mais jovens (como os divulgados pela TI Inside) mostram que o QI humano está em queda. Os adolescentes e jovens adultos da geração Z e Alfa — nascidos imersos na tecnologia — estão perdendo capacidade de atenção, profundidade de pensamento e criatividade analítica.

A inteligência artificial avança em largura.
A inteligência humana está perdendo a profundidade.

O paradoxo do século: medir o que não compreendemos

As máquinas não pensam — mas agem como se pensassem. Elas não têm consciência — mas produzem conteúdos que despertam emoções, argumentos e até poesia. Quando modelos de IA superam humanos em testes de múltipla escolha, devemos nos perguntar: os testes são insuficientes, ou nossa inteligência se tornou apenas isso — uma escolha entre A, B, C ou D?

Mais do que uma comparação entre QIs, o que está em jogo aqui é o significado de “ser inteligente” no século XXI. A IA desafia nossos modelos de mensuração porque foi treinada em massa, com dados, padrões, estratégias. Já a mente humana, cada vez mais exposta a estímulos instantâneos e respostas prontas, perde o exercício do vazio, da dúvida, da elaboração e do tempo interno.

Estamos trocando o tempo da compreensão pelo reflexo do clique.

Gerações digitais e o risco da comoditização cognitiva

A Geração Z cresceu em um mundo onde tudo é algoritmo: amigos, opiniões, músicas, verdades. O pensamento torna-se um reflexo condicionado, mediado por sistemas que decidem o que é relevante. O problema não é a tecnologia. É a ausência de um contraponto educativo que ensine a habitar o silêncio, a formular perguntas, a argumentar com profundidade.

As crianças que recebem um smartphone antes dos 10 anos não estão apenas acessando conteúdo — estão configurando sua forma de pensar, sentir e aprender.

A IA está se tornando boa em tudo que é mensurável.
Mas quem educa para o que ainda é imensurável?

O que ainda é (e precisa continuar sendo) humano

Não se trata de competir com a IA — isso seria tolice. Trata-se de preservar o que a IA ainda não pode replicar:

  • A metáfora que abre mundos;

  • A pausa que permite o insight;

  • A ética que pondera além da lógica;

  • A intuição que conecta invisíveis;

  • A dúvida criativa que não busca resposta imediata.

E, acima de tudo, a capacidade de dar sentido às coisas — algo que nenhuma máquina, por mais avançada que seja, poderá experienciar.

“A IA aprende sem saber. Nós sabemos, mas deixamos de aprender.”
“Estamos medindo máquinas com provas humanas. E educando humanos com modelos automatizados.”
“O que nos torna humanos está se perdendo no tempo em que tudo é feito para ser acelerado, otimizado e monetizado.”

Caminhos para um novo humanismo educacional

  1. Ensinar silêncio e contemplação:
    Nem tudo pode ser aprendido em velocidade. A escola precisa reabilitar o tempo da elaboração, da pausa, da escuta.

  2. Educar para o invisível:
    O que é colaboração, ética, metáfora, imaginação, espiritualidade, intuição? Onde isso entra no currículo?

  3. Revalorizar o erro como método:
    IA aprende com o erro — mas nossas escolas ainda o punem. A contradição é gritante.

  4. Formar educadores como filósofos contemporâneos:
    O professor do século XXI precisa guiar mentes, não apenas entregar conteúdos. Ele deve provocar sentido, e não só organizar tarefas.

Conclusão

Estamos diante de uma encruzilhada: educar para o desempenho ou para o discernimento?
Treinar cérebros para competir com máquinas ou cultivar consciências para conviver com elas?

A IA, em breve, será mais “eficiente” do que nós em quase tudo. Mas eficiência não é sabedoria.
Eficiência não é empatia.
Eficiência não é vida interior.

Se não educarmos para isso — para o que ainda é imensurável — corremos o risco de formar uma geração rápida… mas superficial, ansiosa, e intelectualmente desnecessária.

Marcos Breder, Ph.D.
Educador, pesquisador e mentor de futuros possíveis. Atua há mais de 20 anos com jovens no ensino médio, graduação e pós-graduação, com foco em design, comportamento e inovação educacional na era da inteligência artificial.