Futuro do trabalho

Inteligência Artificial e o Futuro do Trabalho: Entre a urgência política e a omissão educacional

O futuro do trabalho já começou. E ele não bateu na porta — arrombou.
O que antes parecia ficção científica agora molda rotinas, define contratações, automatiza decisões e transforma profundamente relações produtivas. A inteligência artificial não é mais uma promessa: é uma presença constante.

Frente a isso, governos e empresas começam a se movimentar. O Ministério do Trabalho do Brasil, por exemplo, lançou em 2024 uma agenda de debates sobre os impactos da IA, articulando-se com parceiros internacionais como os BRICS e a França. Uma medida importante, sim — mas que ainda soa como reação tardia diante da velocidade com que a IA avança no setor produtivo.

A grande ausência? A educação.

A escola brasileira continua formando jovens para um mercado que já não existe. E o silêncio institucional sobre isso é ensurdecedor.

A movimentação do governo: um passo necessário, mas não suficiente

Em setembro de 2024, o Ministério do Trabalho e Emprego anunciou a criação de um grupo de trabalho voltado a estudar os impactos da IA no mundo do trabalho. As frentes de atuação são relevantes:

  • Promover proteção social para trabalhadores vulneráveis;

  • Garantir qualificação e requalificação profissional;

  • Estabelecer bases para uma regulação ética da IA, com foco em soberania tecnológica e inclusão.

O ministro Luiz Marinho, com razão, apontou que a inteligência artificial não pode ser apropriada por poucas empresas em detrimento do bem coletivo. A IA, diz ele, precisa servir à humanidade — e não o contrário.

Esse discurso alinha-se a uma tendência internacional: colocar a tecnologia sob o crivo da justiça social. Contudo, se não houver um investimento simultâneo e estratégico na base da formação cidadã — a escola —, todo esse esforço poderá ser apenas uma tentativa de remediar o inevitável.

O que as empresas já sabem (e estão fazendo)

Enquanto o setor público debate diretrizes, o setor privado já age. Uma reportagem da Exame mostra que empresas brasileiras estão:

  • Integrando a IA desde o início de seus processos e produtos;

  • Redesenhando cadeias de valor com base em automação, eficiência e análise preditiva;

  • Debatendo ética, governança e responsabilidade de forma estratégica — não apenas regulatória.

A inteligência artificial já está sendo coautora de decisões, e não apenas executora de tarefas. Ela deixou de ser suporte para se tornar inteligência operacional.

O mercado não espera. E se a escola continuar atrasada, o que veremos será uma geração que fala fluentemente a linguagem das redes sociais, mas que não domina as linguagens que comandam os algoritmos do futuro.

E a educação? Silêncio.

A escola, infelizmente, ainda não entrou na conversa.
Nos currículos oficiais, não há menção estruturada a inteligência artificial, pensamento computacional aplicado, ética algorítmica ou governança digital.

Continuamos ensinando como se o mundo ainda fosse analógico.
Avaliando como se a dúvida fosse erro.
Educando como se o trabalho ainda se resumisse a emprego formal.

Essa omissão não é apenas atraso: é negligência formativa.
Estamos preparando jovens para disputar espaços que já foram ocupados por máquinas.
Mas não os estamos preparando para ocupar o que ainda é — e sempre será — exclusivamente humano: a imaginação crítica, a ética, o pensamento sistêmico, a sensibilidade criativa.

Frases que resumem o abismo

“A IA já virou política pública. Mas a escola ainda vive como se fosse pauta eletiva.”
“Se o mercado ensina IA para ser mais produtivo, por que a escola não ensina IA para formar cidadãos mais críticos?”
“Não estamos formando jovens para o futuro do trabalho. Estamos formando jovens para um passado que já acabou.”

Propostas para uma virada real

  1. Inserir IA no currículo escolar como linguagem estruturante, ao lado da matemática, leitura e ciências. Não basta “usar tecnologia”: é preciso compreender seus mecanismos, implicações e limites.

  2. Formar professores em IA educacional — com base em pensamento computacional, ética digital, uso pedagógico e reflexões críticas.

  3. Estimular projetos interdisciplinares que envolvam resolução de problemas reais com apoio de ferramentas de IA, fomentando criatividade e responsabilidade.

  4. Criar políticas integradas entre MEC, MTE e setor privado, garantindo que educação, trabalho e tecnologia caminhem juntos — e não em trilhas paralelas.

Conclusão: precisamos fazer as perguntas certas

A questão não é apenas como a IA vai transformar o trabalho.
A pergunta mais urgente é: como vamos transformar a educação para que o trabalho do futuro seja também um espaço de dignidade, ética e humanidade?

Porque se a inteligência artificial pode substituir rotinas, ela jamais substituirá sentido.
E se a escola não ensinar os jovens a construir sentido — no mundo, no trabalho, na vida — ela terá sido a maior obsolescência do século.

Marcos Breder, Ph.D.
Educador, pesquisador e mentor de futuros possíveis. Atua há mais de 20 anos com jovens no ensino médio, graduação e pós-graduação, com foco em design, comportamento e inovação educacional na era da inteligência artificial.